A criatividade tem um poder inestimável. É a faculdade humana mais parecida com as faculdades divinas.
Deus é criador, e o criativo também. Vendo por esse ângulo, a criação tem limites? Sim. A realidade é o seu limite.
Quantas vezes eu fui dormir sonhando com uma campanha espetacular que horas mais tarde seria dizimada no choque com a realidade das salas corporativas.
Passamos muito tempo enquadrados dentro de pesquisas e parâmetros, que agora são revistos. O que é bom e é perigoso. Se nem todas as revoluções são gloriosas, elas são sempre dolorosas.
Grandes anunciantes já sentem essa dor. Campanhas cada vez mais ousadas, que deliberadamente ferem a sensibilidade comum em busca de visibilidade e viralidade, estão quebrando a cara das marcas e dos produtos que promovem.
Reportagem do "New York Times" listou exemplos dessa perigosa busca de notoriedade num mundo cada vez mais fragmentado, dominado por novas gerações de consumidores muito diferentes dos que os que os precederam na forma como consomem conteúdos e mídias. Eles inclusive se tornaram conteúdos e mídias. O consumidor hoje fala.
É um ambiente conflagrado e perigoso, que um publicitário falando ao "Times" comparou ao Velho Oeste.
Na Europa, um fabricante de carros fez anúncio com um motorista tentando se matar mantendo o carro ligado na garagem fechada. Mas a tentativa fracassa por se tratar de um veículo com emissão zero de poluentes. O tratamento irônico do suicídio teve repercussão muito negativa e o anúncio foi rapidamente suspenso.
Nos Estados Unidos, uma marca de refrigerante convocou um polêmico rapper para criar anúncio no qual garçonete branca combalida tenta identificar seus agressores numa fila de suspeitos formada por afro-americanos e um bode. Foi também subitamente gongado pela reação popular.
São evidências claras de como a transição do antigo regime da comunicação para o novo regime não será fácil. Tenho dúvidas inclusive se haverá tempo para consolidar um novo regime, como o do longo reinado do comercial de TV de 30 segundos, que vigorou por décadas.
É um número tão avassalador de inovações e de conhecimento vindo de todos os lados que, por mais coisas que você esteja fazendo hoje, está quase sempre atrás da curva.
A capacidade aguda de comunicar é o que mais nos distingue e o que nos possibilita criar organizações tão complexas. Uma capacidade que ganhou propulsão atômica com as redes mundiais instantâneas e ubíquas da nossa era.
A capacidade de todos se comunicarem com todos em todos os lugares a todo o momento é o fenômeno mais transformador da humanidade.
Mas toda essa intensidade deve ser tratada com muita sensibilidade. Não podemos simplesmente trocar amor por sexo, valores por performance.
Não é apenas medir quantas vezes sua mensagem é vista, mas como ela é vista e por quem. Não adianta mais dizer "compre!" É preciso dizer "compre porque"... É o fim da marca fantasia e o começo da marca verdade.
Se você quer acompanhar esse mundo mutante, não fique com sua cabeça enfiada dentro do seu negócio. Como o mundo é cheio de vasos comunicantes, a melhor maneira de ver seu negócio e seus produtos é vê-los também pelo lado de fora.
E, se a novidade está por toda parte, é preciso ter em mente que o mundo não está sendo inventado agora. Por trás das coisas novas existem permanências.
Fala-se tanto em comunidade em um mundo de redes, mas o Rotary Club, que é justamente isso, foi fundado no início do século passado. E se as pessoas em rede estão hiperconectadas, persiste muita solidão nessa tecnologia.
Nesse caos criativo e destrutivo, é preciso agir rápido: ouvir, falar, pedir desculpas, ser proativo. Como o mundo está transparente, o consumidor cobra o que você diz que é.
Como dizia aquele filósofo francês: a existência precede a essência.
Não deixa de ser irônico para a propaganda. Na época da comunicação total, a verdade tornou-se a maior arma de persuasão em massa.
Por Nizan Guanaes publicitário baiano, dono do maior grupo publicitário do país, o ABC. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo.